EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


quinta-feira, 16 de julho de 2020


Relendo-me, voltando atrás, e pensando, como alguém viria a se apaixonar por mim dentro das minhas palavras? 2017, 2018... Há uma batida leve que traz a mim mesma, paz, como se fosse eu por outro ângulo ao qual poucas vezes me atrevo. Se eu me apaixonasse por mim, eu ia detestar os meus sumiços, meus hiatos, meus dias e semanas sem mim.

Nada mais me segura, nada, ninguém, coisa alguma, mas escrever permanece senhor absoluto, escrever é tanta coisa para mim, meu mais forte ato egoísta, minha conversa comigo mesma, meus assentamentos internos, drenagem emocional, tanta coisa, talvez a mais verdadeira e única em mim, o resto é confete e isso me lembra a música, 


"Eu vou te jogar Num pano de guardar confetes

Eu vou te jogar
Num pano de guardar confetes"


Para cá, só vem eu, mesmo que algum mais atrevido consiga me render nas primeiras linhas, mas não vence nunca a próxima sentença...

É noite e eu jurei dormir cedo, mas o silêncio me assaltou quando passei ao lado da minha mesa para alcançar a cozinha a fim de ligar a lavadora de louças. De roupão, após o banho, eu queria apenas uma garrafa de água, o caminho do meu quarto, a minha cama e meu livro que me espera, mais nada; e então me vejo novamente à minha mesa, meu filho faz silêncio absoluto na mesa ao lado, a cachorra dorme perto de nós, late às vezes, acorda em pesadelos, todos os ventiladores ligados porque o ar condicionado das salas não dá conta de esfriar, estamos no alto verão dos infernos da Califórnia.

Então há barulho, mas eu só escuto o silêncio. Ele está aqui, parece até colorido, sim, agora ele tem cor, a cor das palavras todas que eu deveria ter usado, mas não usei porque sou pessoa distraída, distraída, muito distraída. Não sei se isso é qualidade ou defeito, só sei que sou eu.

Hoje, eu li, "Na verdade, vocês nem devem fazer coisa alguma para voltarem à Nárnia. Nárnia acontece." 

(Segunda citação na noite, mas isso aqui não será um best seller). 

O amor acontece também. Não adianta ficar procurando. Se eu fosse me procurar, jamais me encontraria, encontro porque não procuro. As coisas verdadeiras fluem, escorrem; as quase falsas ou falsas precisam de esforço.

Quando estou aqui, digitando, eu aconteço na forma mais pura de mim, e até me convenço quando leio coisas antigas, como por exemplo, o texto "Odeio flor que não se cheira", em Contos de Lily. Fez sentido naquele dia, faz sentido hoje, fará amanhã.

E isso me acalma embora eu tenha passado um dia extremamente calmo. Acalma por dentro, onde ninguém vê, nem eu, mas fica incomodando, em ensaios repetitivos, como se o professor asperamente falasse, corrije isso, apaga aquilo, repete... 

Não quero recuperação, segunda chance, já não tenho mais idade, que a caminhada prossiga, com ou sem silêncio, com cores ou não, nada importa, embora reler-me seja agradável. Reler amor também é bom. Eu amo o amor. Não sei como pode ter gente que tem vergonha de sentir amor, de esconder amor (amor escondidinho é talvez o mais belo de todos), de dizer que ama sim, sem jeito de desamar.