EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Retorno

Image may contain: one or more people
(arquivo de Suzana Guimarães)


Retorno sempre como se retorna à casa dos pais. Assim como retorna o faminto onde tem algum pão, mesmo que partido e esmigalhado. Volto. Volto com olhar de espera. Como se espera na fila do hospital, na hora da hóstia, no caminho estreito debaixo da cidade velha, na esperança de se encontrar luz. Cegos não veem, mas sabem para onde ir. Volto para olhar de novo. Volto como se retorna à cidade da infância, à escola mais querida, ao retrato velho.

Volto porque quero. Volto cego sem desejo de leitura, enlace sem união, corpo sem tempo. Volto. Volto sem desejo de prece, sem palavras, compromisso, diálogo, sem dolo, somente volto, assim como volta o pássaro para casa ao fim da tarde, sem pensamento, sem canto. 

Suzana Guimarães

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Falando sobre hirestectomia...


Há um ano e um mês, exatamente isso, eu passei por uma hirestectomia. Li muito antes, durante e depois sobre essa cirurgia, mas não cheguei nem perto do que é a realidade. Eu tão já acostumada com emergências em hospitais, com a rotina do pré, durante e pós... eu tão certa da minha força para lidar com minhas mazelas... eu tão eu sendo Suzana... vejo-me, toco-me, sinto-me outra. Até quando, meu Deus? Meu corpo não funciona mais como antes, embora não sinta mais enxaquecas, dores de cabeça e cólicas, embora a minha pele esteja bonita. A carência dos hormônios que perdi com a cirurgia é a ordem dos meus dias. Não tenho libido, engordei oito quilos, não tenho força e disposição. Ainda tenho suores, embora os remédios e os suplementos vitamínicos que tomo diariamente. Ainda não consegui fazer uma alimentação equilibrada. Ainda não voltei. Estou no planeta Marte! Caminho para me ajudar, mas longe estou daquela que lutava jiu jitsu. 

E os dias se vão...

Ajudo-me, ajudo-me pela manhã, tarde e noite. Salvo-me. Ah, se as pessoas soubessem como estou me sentindo... 

Amanhã, estarei melhor. Espero. Vou viajar. Vou para a América do Sul. Vou ver minha mãe. Onde está a minha mãe? 

segunda-feira, 26 de novembro de 2018


Permito-me olhar a Lua. Ouvir o silêncio da casa. Observar o avião que corta o céu em luz. A paz me quer. Aguo as plantas. Sou mais um. Não me deixei para trás. 

quarta-feira, 21 de novembro de 2018


Tire férias em casa. Seja a onda que volta para avançar. Volte.
Dê-se o perdão.
Dê-se a companhia dos seus.
Não se autoflagele, já nos bastam os castigos da vida.
Recomece.
Ou basta mesmo continuar,
O arranjo está bom.
Respire.
Reconsidere.
A vida mais bela é a nossa, intrínseca.
Outro dia, volte.
Sempre haverá amanhãs. 

terça-feira, 20 de novembro de 2018


Estou envelhecendo ou talvez seja apenas porque é final de ano... porque o tempo nublou, porque eu cansei, porque este ano foi estranho, parecendo ter mil dias... não sei. Porque estou envelhecendo. Ponto. Às 19h, tomei um banho quente, vesti uma roupa macia, deitei-me no sofá e liguei a televisão. Sensação de plenitude. O corpo envelhecido saúda meu coração que parecia nunca ficar velho. 

Amanhã, pintarei minhas unhas, farei compras para o almoço de Thanksgiving, comprarei flores e vinho. Amanhã, hoje, não.

Democracia para muitos só existe se o seu candidato vencer.

sábado, 17 de novembro de 2018


O jornalista árabe residente nos US, assasinado no consulado árabe na Turquia, deixou um presentão para o príncipe saudita. Hehehe! Fiquei fã do cara! Pena que ele morreu. É melhor espião que os quinze espiões que o mataram.

Das coisas para se falar: não era para acontecer, não era a hora e também sobre o tempo que lhe é ofertado e se vai como areia entre seus dedos porque você não soube ou não quis a oportunidade  agarrar. E então passados estão a cor, o dourado, o auge da flor; passados estão o frenesi, o calor.

É claro que perdemos momentos ótimos, pessoas interessantes, histórias para se contar e lembrar!

E o que se foi não retorna...

Das coisas para se esquecer: pessoas que interceptam meu caminho para nada! Melhor nele nem cruzar! Deixa-me! Meu caminho é meu porto seguro. Eu sempre acreditei nele. Não tumultua, não faz agravo, não tenta ser o que não consegue...

Os corvos da Califórnia fazem melhor que você! Cumprem seus papéis graciosamente para comigo. Eu também vim para ser agraciada, se isso você não percebe...

Ah, enfastio!

Se não pode ser assim como os corvos que admiro... que seja nada! 

quinta-feira, 15 de novembro de 2018


Não fico feliz com desemprego de ninguém.

Eu queria saber o que foi que nós nos revelamos, eu a você, você a mim...

Eu o vi sentado, andando, falando e sorrindo na televisão. Com certeza, somos bem menos que aquilo tudo que hoje me faz rir. 

Somos bem menos. Somos quietude. Domingos insossos, segundas-feiras estranguladas nos tédios, terças-feiras raivosas, espumantes... mas quietude. Somos bem menos.

Eu queria saber o que foi que nós nos revelamos...

Talvez madrugadas.

Preciso falar o óbvio porque tem gente que não vê ou nem sabe. Uma questão de estar atento. Sou distraída, mas atenta ao intrínseco.

Eu não sou troféu de ninguém e ninguém é meu troféu. Eu sou Suzana e as pessoas com as quais me relaciono são elas em seus nomes lindos e próprios, Roberto, Luís, as Ana’s... Maria, os nomes de anjos... são tantos...


Por mais que eu tenha vencido ou feito vencer, por mais que tenhamos vencido, não sou troféu de ninguém e ninguém é meu troféu.

terça-feira, 13 de novembro de 2018


Está vendo este meu cabelo vermelho? É seu deserto. Estar em todos os lugares é estar em lugar nenhum. Escolhe um. Assenta-se. Para tudo nesta vida há o começar, o pelejar e o fim. Tentativas de sustentar o insustentável é o caminho para o sem fim. Não gosto das coisas forçosas. Já nem sabe mais para onde ir! Essa tonteira vai encontrar um velho louco a lamentar. 

O vento sopra e não importa se é prisão ou campo aberto. O vento sopra porque é livre. Não importa onde e como. O vento sopra. O vento passa.

Está vendo este meu cabelo vermelho?






Pode até dar errado depois, mas eu acredito muito nos encontros que dão certo na primeira vez, primeiro dia, primeiras palavras, primeiro cumprimento, primeiro olhar.

Sem chances de felicidades quando não existiu essa primeira vez.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018


O que se ganha matando pessoas por nada? 
Ser humano é doente.

Quando estou parada no semáforo vermelho, na frente da faixa de pedestres, pergunto-me o que sentem aquelas pessoas que atropelam outras de propósito porque eu sinto amor por elas que passam, sem conhecê-las, sinto compaixão, carinho, respeito. Algumas lembram-me meus filhos, meus pais, antigos amigos; todas me remetem à minha própria humanidade.

terça-feira, 6 de novembro de 2018


Em algum momento de hoje, este ar de outono levou-me para trás - eu sei, nunca mais seremos aqueles dois, o deus tempo nos poliu -, e eu me vi olhando o mar, pensando no que corria por baixo de suas águas... você dizia, mexa a mão nas águas turvas...

De turvo, tem nada! 

É novembro. Vou ter meu canto nalguma cidade minúscula, onde não passa nada, nem trem, nem avião, muito menos um carteiro. Vou respirar o ar bem assim, profundamente - só para ver você assim, respirando profusamente...

Sem luz, bastaria a de querosene. Sem muita comida, estou gordinha. Sem telefone.

Vou ter meu canto. 

Quero ver você passar. Quero ver você voltar. 

Ah, pintarei meus cabelos de vermelho - para lembrar você de seu deserto.

A alma é leve porque o corpo pesa.


segunda-feira, 5 de novembro de 2018


Conheci homens de vinte e cinco anos com mentalidade de homens de cinquenta e conheci homens de cinquenta anos com mentalidade de quinze anos.

sábado, 3 de novembro de 2018


A paz não é um sujeito franzino, apagado e fraco. 
É a dona das cartas na mesa quando é a sua vez. 

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O sonho disse-me: tempo de reconciliação.



Todo braço de rio me conduz ao mar. Sempre volto. É quase Natal, é quase Ano Novo. Todo braço de rio me conduz a você. Passa vida, passa, só não passa você. Ano que vem, serei outra. O mar é minha herança sagrada do coração. É para ele que me volto, que me levo...

Todo braço de rio é cegueira. 

Visão é te amar. 

A palavra juiz não tem acento. 
A palavra juízes tem. 

Já que tal palavra está em uso constante... vamos escrevê-la corretamente. É tolice? Não. A nossa língua não pode morrer, faz parte de nós, nos substancia. 

Obrigada.
De nada!
O fato é: não considero pessoa alguma, principalmente eu mesma, santa ou demônia de vez. Separo bem as coisas ruins das coisas boas. Não consigo ver pessoa alguma com idolatria.

Por isso, pessoas podem não entender meus posicionamentos ou podem pensar que tenho duas caras. 

Lula é apenas um homem de carne e osso. Não é santo, nem capeta e nem ideia. 

Nem Jesus Cristo quis ser endeusado.

Só tenho várias caras nas fotografias do meu Facebook.

Já não choro mais. Não tenho tempo. A última vez foi de saudades antecipadas, ao despedir da minha mãe, na porta da sua casa, antes de entrar no táxi que me levaria ao aeroporto. Se choro, quando choro, é por ela. Não tenho tempo? Já não choro mais por ninguém, além dela, nem por mim, por qualquer coisa, nem por nada. Já chorei por nada, só por sentir alguma coisa linda e inexplicável, uma emoção, um contentamento passageiro ou mesmo pelos descontentamentos. 

Não choro. Meu rosto pode se tornar um bloco de gelo, ou pedra, posso sentir ira ou dor, mas não choro. A última vez que chorei por mim foi há um ano, em outubro, chorei diante do inevitável de mais uma cirurgia. Chorei. Me fiz forte, porém. Acredito que se eu chorar agora serei mais forte ainda, mas nem isso eu quero. 

Eu não quero mais chorar. Eu não consigo. Chorar é uma emoção que dispensei. 

Não tenho tempo? Talvez não veja mais serventia, talvez isso. 


Novembro, 2


Era setembro...

Pelo meio da madrugada, ele acalmava e dormia. Eu então espiava a rua por um palmo de mão que ficava aberta a janela de correr. Via a igreja na parte mais alta do bairro de Santa Teresa. Via a noite. Como ela deve ser vista. Como tudo tem que ser visto, vendo. Transpondo o que se mostra no primeiro enxergar. As noites são lindas! E, por isso, eu escrevia, porque havia lindeza em mim. Havia lindeza em passar horas e horas acordada, cuidando dele. Naqueles dias, ali era o melhor lugar para se estar, dentro daquele hospital. E eu sabia disso, apesar do cansaço e da dúvida. Sinto saudades, muitas. Ele me chamava, "Menina, menina...". Eu respondia, "Não diga menina, diga Suzana, foi você quem me deu esse nome" e ria. Quando chegava bem perto e olhava-o, ele não tinha muito a dizer, ele só queria saber. Vivíamos.

Por Suzana Guimarães



Publicação original: no blog e no Facebook em setembro de 2014.