EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Poema de Ana Blue - Cinco pratos


cinco pratos

"café da manhã, saudade
são cinco pratos sobre a mesa
papai me passa o açúcar, eu adoço
como gullar descreve um café em ipanema
almoço a uma da tarde, piedade
são quatro pratos sobre a mesa
papai sumiu, já não tem volta
comemos juntas um baú de incertezas
lanche da tarde, cansaço
são três pratos de bolinhos sobre a mesa
vovó foi morar muito longe
é tão grave o peso da idade!
o jantar no sofá, amargura
são dois pratos frios de comida
minha irmã e eu comemos assustadas
nossa mãe nos deu um beijo e partiu
café da manhã, tristeza
não há nenhum prato sobre a mesa
engulo um pão seco, de qualquer jeito
não mais açúcar, não tem mais beijo
eu como só"

( Ana Blue )

domingo, 26 de janeiro de 2020


Quando o coração é puro, a gente assusta, mas isso não é para sempre, porque coração puro tem proteção para qualquer maldade. O som veio de longe. Seduziu-me. Cheguei e deitei-me na grama para ouvir alguém soprando solitariamente um oboé. Algo por volta de quatro horas da tarde. O mais gostoso de todos os invernos que passei na Califórnia. Uma blusa e dois casacos de frio, tênis, calça jeans, o cabelo preso num rabo de cavalo. Foi ali que alcancei a magia da paz. Haveria uma festa e muitos ensaiavam, o do oboé estava voltado para fora do prédio. As pessoas e os carros que chegavam no estacionamento não faziam barulho, nem eu. O som do oboé era preciso e forte, calou os barulhos que me incomodavam e eu posso sentir a saída deles agora, tantas horas depois, de dentro de mim. Tem barulho que não vale a santidade da nossa alma.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020


Parecia exasperante ouvir a frase, "Enfia na bunda isso, aquilo, o dinheiro...". Hoje, soa fácil na minha boca, enfia esse dinheiro na bunda!

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Fica assim, cada um por sua conta. Cada um com seu universo a lhe proteger.



Há uma construção na casa vizinha. Os pedreiros têm bom gosto musical. Até isso, meu Deus, até isso! 

Perguntei a meu filho o que era aquela piscina, aquele pequeno clube na universidade dele. Ele respondeu que é a piscina da vergonha, assim denominada. Ninguém usa, ninguém frequenta porque fica próximo a vários corredores de passagem (há outras duas, inclusive uma olímpica em outro local).
Respondi: No Brasil, estaria lotada.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Se Eu Morrer Novo


Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão —
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

Não fui amada. Não fui amada por eles, onde nasci. Toleraram-me, invejaram-me, discriminaram-me, mas não me amaram, nem pai, nem mãe, irmão e irmã, primos, primas, tias e tios, avós... meu avô paterno amou-me, sim, mas ele partiu quando eu era muito menina... não me amaram e isso não é coisa que se descubra aos 50 anos de idade ou menos, não sei, não sei ao certo quando comecei a perceber, mas, entretanto, sou amada hoje, por R, por LR e AL, sim, sou amada e então posso descansar em casa.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Alma e parentesco


Alma não sabe o que é parentesco porque isso na realidade não existe; é invenção da matéria.

domingo, 19 de janeiro de 2020

Amanhã.


Amanhã é 20 de janeiro. Onze anos completos, morando aqui. Caminhando, hoje, por ruas e locais desertos, no início da noite, entendi que estou no tempo de descansar e rever toda a vida. Sem pretensão de avançar, apenas olhar para o passado que mal vi... eu venci com meus dois filhos ainda crianças, um deles ainda no colo, sem falar Inglês, aos 42 anos de idade, com a ajuda de R. Embora eu perceba que não vi os dentes da minha filha crescendo, quando vi, era toda aquela boquinha cheia de dentes. Eu também não vi o meu filho enfrentando os colégios, e hoje, ele caminha para o segundo período na faculdade, lugar esse que piso agora, como é lindo! Só agora reparo-os, meu filho e esse lugar, esse complexo gigantesco de universidade estadual. Tudo deserto porque amanhã é feriado e muitos só começarão o período letivo na terça-feira. Uma asiática caminha sozinha em direção a um caixa eletrônico, e eu penso no Brasil, na ânsia de viver com medo. Dois casais passam ao longe. Um rapaz caminha com seu cão. Inúmeras são as esculturas em aço pelos pátios. É tudo lindo, limpo, organizado e iluminado. Respiro a Califórnia. Eu que amava percorrer a pé o bairro Cidade Jardim em Belo Horizonte, ganhei de Deus, uma cidade jardim, perfeita, silenciosa e fria. É inverno, é janeiro. Há onze anos, eu fiz o caminho certo.

Janeiro, 19 para 20.

sábado, 18 de janeiro de 2020


Eu agora acredito que a vida é somente isto, um constante ocupar-se. Enchendo a vida, o corpo transborda. Não é bem aquela coisa que eu imaginava, alguns encontros de amor, sucesso e sorte. Pouco importa se há sorte ou não, a gente abarca tudo, problemas, soluções, com vontade, por inteiro, com corpo e mãos, sem firulas. Pouco importa também se há sucesso. Depois de certa idade, sucesso é cumprir as tarefas do dia e amor é estar disponível, junto, sem implicâncias e acusações - parece que mais um comentário nocivo e vamos nos implodir. A gente quer sossego e ocupação, essa é quase imperiosa, faz-me levantar pelas manhãs e de imediato vestir-me, de forma sempre pronta até à noite, à disposição de quaisquer acontecimentos. No fim de tudo, talvez, fica o que compartilhamos ao nos ocuparmos, como herança a quem esteve junto.

O mundo mudou bastante nos últimos vinte anos, de forma acelerada e com sinais de que retrocessos não serão aceitos, pelo menos, do lado ocidental dele, melhor frisar. As mulheres estão mais fortes. Ponto. Sou mulher forte e fico feliz por isso, mas, sem qualquer sinal de supervalorização do macho, ainda tem muita mulher pensando que engravidar vai segurar seu homem. O velho golpe da barriga não acabou, mesmo se tratando de mulheres com discursos de independência geral e irrestrita. É muito papo. Muito discurso falso de ser a tal para num piscar de olhos, engravidar. A tal sabe como evitar procriação, a tal nem quer, quer gozar a vida de montão, ter um monte de pets, até o dia que cai de amores e encontra o homem da vida dela, ponto. Sem supervalorização de nada.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Algumas almas são autorizadas a irem onde querem, eu sou uma delas.


Querido diário,


A pessoa me oferece uma bolsa de marca famosa dizendo estar na pechincha por $1.900,00! De $2.300,00 por $1.900,00. Epa! Seria este meu jeito de rica? Tô surtada. Eu jamais compraria uma bolsa desse preço. Não combina nada comigo, mesmo se eu fosse milionária. E não se trata de uma estranha...

17 de janeiro

Que Deus seja louvado em qualquer forma. 🙏

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

O inferno está cheio de gente que reza...


Se pode fazer algo, se pode pelo menos tentar e não faz, diz que vai rezar... eu agradeço. Não quero orações de covardes; o inferno deve estar cheio de gente que só reza.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Querida Rainha Elizabeth II,


O que está acontecendo com você e a sua família é comum, aconteceu lá em casa: alguém, a título de casamento, entra em nosso núcleo familiar que santo realmente nunca foi, mas era unido, e, deliberadamente, traz desunião, conflitos, malefícios, brigas e confusões.

Não se apavore, querida, o dia de amanhã a Deus pertence.

Com carinho,

Eu.

P.S.: Você agora deve estar se lembrando da doce Diana...

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Nosso Forrest Gump


O cara do supermercado, um senhor de idade, olhou para mim, enquanto passava as minhas compras na esteira do caixa e disse, "organizar, organizar, organizar". É início de ano, as lojas mudaram as mercadorias de posição, à vista e em grande quantidade, caixas organizadoras. Os americanos, na passagem de dezembro para janeiro, focam em arrumar suas casas. Nas calçadas, pode-se ver sófas, geladeiras e prateleiras velhos, à disposição dos passantes. Aproveito para fazer o mesmo. Além da faxina da alma, a da casa!

N. também se organizou em todos os sentidos. Deixou a casa dos pais. Embarcou hoje para outro estado e depois, outro, para servir às forças armadas. Estou há meses pensando no dia de hoje, até que então ele chegou e já é noite e N. já veio se despedir de nós. Dei a ele panetone brasileiro. Eu me senti mãe dele. Meu filho deu uma moeda para ele. Não chorei na hora do abraço. Mostrei-me forte. Desejei boa sorte. E ele se foi, novamente correndo, para casa, como sempre faz, nosso Forrest Gump. Às vezes, você não tem opção na vida, e você embarca na única jornada que lhe estende as mãos. Estando lá, ele poderá estudar. E ele se foi... ai, tristeza. Vou chorar escondido, sim, vou. Ele merece as minhas lágrimas.

Espero que quando ele comer os três mini panetones, ele sinta conforto na alma, pois é esse o meu desejo. Dei a ele pão como símbolo bom. 

Depois que ele se foi, pensei: o melhor de todos no mundo sou eu mesma. Só eu posso ser o anjo a me guiar pelos caminhos. Só N. será o anjo dele. Nós somos sós, N., não se importe, você já sabe, e a vida pode ser somente singeleza, basta respirar, respirar e respirar. 

I will see you. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Meus pais e eu, mãe.


Meus pais erraram na criação de seus filhos, eu, não, na criação dos meus. Usei os erros deles para fazer melhor e me sinto bem com o arranjo. Sentir-se bem com o arranjo não significa dizer que tudo é maravilhoso e perfeito, ainda mais no meu caso, uma pessoa que ama enxergar as verdades. Tem coisa melhor que esse mar de delícias? Travesseiro macio onde me deito em paz. É a coisa mais errada do mundo criar os filhos com o que aprendeu com os pais sem analisar se é bom ou mau, só porque "meu pai era assim". E também é um erro pensar que tem fórmula porque não tem. O que dá certo com um nem sempre dará com o outro filho. Eu vou criando à medida que vou caminhando com eles. Todo dia é um dia novo e surpreendente. 

Já fui tão boba! Meu Deus! Olho para trás e sinto vergonha de mim. Boba desde o nascimento. Mas eu sou sucesso na questão da maternidade, sou pai, mãe, amiga, professora, vidente, chata, sou todas as decisões e nenhuma, e, principalmente, sou um detector de problemas e um poço sem fundo de soluções para esses problemas... só não sou omissa. Como eu disse, sou uma pessoa que ama enxergar as verdades, e, em cima delas, movimento-me.

Vou sumir um pouco porque vou ler As crônicas de Nárnia. Meu filho cobra essa leitura há três ou quatro anos e eu havia parado de ler livros, salvo um ou dois por ano... Mas havia uma bagunça dentro das caixas de mudanças nunca bem etiquetadas e havia outra dentro de mim, mistura de cegueira com bondade excessiva... Vou ler o livro porque meu filho me conhece melhor que qualquer vivente e ele diz que tenho que lê-lo.

A moda agora é posar com pezinhos de bailarina nas fotos.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020


Escovo os meus dentes olhando para um pé de grapefruit lotado, que eu vejo através da janela do banheiro, dividindo a minha casa da casa do vizinho, por sobre o muro peduram-se as frutas  amarelas. As noites são calmas e se iniciam em tom rosa, para depois gelar os ossos. A vida no deserto é intrínseca, assim como eu. Vivo em meu habitat. O silêncio, o mistério que o deserto carrega, os cactos que sobrevivem maravilhosamente em qualquer canto, sem água, sem cuidados, ao lado de roseiras que transbordam pesadas ao chão em rosas enormes, tudo sou eu, mais um de seus elementos. As manhãs são muito frias, assim como as noites, e se contrastam com o meio-dia, quente feito o capeta, sim, todo meio de qualquer dia é quente. O sol castiga essa cidade sem árvores frondosas e marquizes, ah, disso eu sinto falta, daquela coisa úmida, morna, e sombreada da minha terra montanhosa... terra essa que vai se apagando de mim, assim como a visão dos coiotes que perambulam à caça de comida ou confusão...

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

O Tempo - poema de Carlos Drummond de Andrade


"Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um individuo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante tudo vai ser diferente.
Para você, desejo o sonho realizado,
o amor esperado,
a esperança renovada.
Para você, desejo todas as cores desta vida,
todas as alegrias que puder sorrir,
todas as músicas que puder emocionar.
Para você, neste novo ano,
desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
que sua família seja mais unida,
que sua vida seja mais bem vivida.
Gostaria de lhe desejar tantas coisas...
Mas nada seria suficiente...
Então desejo apenas que você tenha muitos desejos,
desejos grandes.
E que eles possam mover você a cada minuto
ao rumo da sua felicidade."