EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


terça-feira, 28 de setembro de 2021

29 de setembro

Amanhã, você faria 59 anos. Nós não vamos poder brigar, você não me pedirá para coçar as suas costas, você não vai imitar pai, não haverá torta da Mole Antonelliana (que eu adoro!) e nem a bomba recheada com creme de baunilha (que você adora!). Não vamos comer coxinha de galinha com catupiry, nem tomar caldo de cana. Acabaram-se os passeios nos Shoppings, no Alphaville, já não mais existe mesmo o Vilaggio. 
Acabou. Acabou tudo de uma hora para outra. Ainda bem que você me esperou chegar. Ainda bem que ficamos juntas aquelas horas todas no hospital. Foi a nossa história, do nosso jeito a nossa história onde ninguém nem pensar deve porque de nós, nós sabíamos. Perdi a minha pessoa de confiança, perdi a pessoa que amava muito meus filhos, perdi um pouco de mim ao perdê-la.

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Há dias em que estou muito bem; dias em que não tão bem e dias em que oscilo para os dois jeitos, e assim sigo no meu luto. Há momentos em que creio em almas e vida além do corpo, e há extensões sem fim de mim na total descrença. Pelo menos, agora, eu tenho sono e durmo. E cada acordar é incerto, ora bom, ora mau. Certos mesmo apenas a contraposição da noite para o dia e a sensação vívida de que a qualquer momento despertarei.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Eu estou me movimentando. Vida é movimento, não é? Apesar da tristeza, me empurro e ajo. 

Sem palavras suficientes para agradecer os carinhos dos amigos. Amo. Gente sem preguiça que desce os dedinhos no teclado para me alcançar, confortar, e também me empurrar morro acima todo florido. 

Muito, muito obrigada por esse tempo de fraternidade, empatia e amor.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

16 de setembro

Hoje faz um mês. Eu havia passado a noite ao lado dela, numa poltrona. Ela dormia, sedada. O CTI era silêncio quando cochilei sentada, entre cinco e cinco e meia da manhã. Sonhei com ela. Ela, em pé diante de mim também em pé, naquele pequeno espaço, entre a minha poltrona e a cama. Estava muito bonita, os cabelos mais curtos, mais jovem e mais magra, saudável, vestia uma blusa preta pintada com cores vibrantes, mangas longas transparentes. Acordei na poltrona assustada ao pronunciar o nome dela. Cinco horas depois, ela faleceu. 

Não é a primeira morte da minha vida, não é a primeira vez que sofro ao perder uma pessoa, mas não consigo imaginá-la no céu ou no inferno, num hospital ou num campo. Para mim, ela não foi para lugar nenhum, embora não esteja mais aqui. Eu a vi crescendo comigo. Ela não foi um adulto já pronto para mim. Eu fazia planos de como cuidar dela na velhice... Todas as minhas crenças espirituais rolaram ralo a baixo; junto com minhas lágrimas. 

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Quebrado. Os americanos possuem a melhor expressão. É assim que me sinto. No começo, fui diligente. Depois, muito forte. Agora, em cacos, quebrada. Difícil é a reposição desses pedaços.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Peguei algumas coisas da minha irmã para mim, dentre elas, um protetor facial La Roche-Posay que estava no armarinho do banheiro, um colírio, um sorine, dois tubos de cânfora em gel, uma caixinha de remédio para dor que estavam na gaveta da escrivaninha e um potinho de goma de mascar de menta pela metade. Hoje, me vi olhando demoradamente para esse potinho de bala e vi que as histórias se estendem profundamente entre o sentimento da saudade daquilo que nunca mais será de novo e o dia de hoje acenando para o amanhã. Didith permanece nas coisas dela, e isso é consolo. 

Pensei nisso e pensei também que não devo mais dizer que ela faleceu, morreu, mas que ela desencarnou, foi embora, parou de brincar, quis mais não.

Setembro, 9

terça-feira, 7 de setembro de 2021

meu luto...

Continuarei assim, sofrendo meu luto e chorando. Posso. Devo. Nunca choro. Passo quatro anos sem derramar uma lágrima, passei... Em sete anos, chorei única vez quando sofri numa cirurgia difícil, porque eu estava cansada, cheia da vida. Não choro porque seguro a emoção, nada disso, sou um poço sem fim de emoção, mas eu não choro, não tenho lágrimas, até tento. Mas vou chorar e lembrar até tudo isso em mim passar.

sábado, 4 de setembro de 2021

“De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo.” 

Adélia Prado