EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


segunda-feira, 30 de setembro de 2019


Se agosto durou dois anos, setembro, em compensação, durou dois dias. Parece que nadei e respirei uma única vez. À noite, empurrando os containeres (é essa a palavra?) para a calçada porque amanhã é terça-feira, dia dos caminhões de lixo passarem, eu me senti meu pai, trabalhando da hora em que abro os olhos até fechá-los para dormir. Lembro dele reclamando. Nem tenho forças para tanto. Nem tenho sequer alguma vaidade - igual a ele. Eu havia saído do banho quando me lembrei das latas de lixo, são duas, uma para lixo comum, outra para reciclável. Fui de pijama, sem pentear os cabelos que ficam em nós quando são lavados... aquele emaranhado, fios prateados, quem passa e vê pensa que sou uma senhorinha. Já não ligo para mais nada. Nem para as perdas que tanto me fizeram chorar. Ontem, eu não estava bem por mim mesma e porque, ontem, completavam seis anos da morte do meu pai. Juro! Sentada na varanda da frente, no escuro, forcei choro, pensei que seria legal, saudável chorar, mas não consegui. O máximo é um leve molhado nos olhos.

E vem em mim a lembrança de um sonho. Foi há cerca de quinze dias ou menos. Essa lembrança insiste. Eu lustrava uma porta de madeira clara, cor caramelo, lustrava com gosto, e meu serviço estava chegando ao fim, mas eu vendo-me ali, naquela porta nem fechada e nem aberta, eu não sabia se aquela - eu - iria fechar ou deixá-la aberta.

O que persiste é a beleza da porta e a dúvida.