EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


domingo, 29 de setembro de 2019

Eis aqui o meu Porra!


Que intimidade é esta? Que amizade é essa que me oferecem? Que mundo é este? Que gente estranha, meu Deus!

No WhatsApp, mensagens diárias ou semanais, bom-dia, boa-tarde, boa-noite, ótimo fim de semana, ótimo dia, os anjos que a encaminhem, Deus que a livre. Seja feliz, seja feliz, pelo amor dos santos, seja feliz e receba essa minha atenção dissumulada, esse amor fétido. Não me conta seus problemas, aquele último escândalo, aquela quase ida para a delegacia, não me pergunta nada, não peça fotografias, cabe a mim perguntar, oferecer, cabe a mim a dimensão da reserva. Cabe a você sorrir e agradecer.

No Facebook, não percebem que a fotografia do perfil foi mudada, mas aparecem na hora exata em que se publica algo político ou se comenta de forma contrária à publicação que é até pública. Ali, você será esmiuçado com a um peixe em dia de feira. Irão medir seus conhecimentos e o quanto aguenta da surra.

Vou quebrar seu galho, família é o bem maior, enviarei mensagens de autoajuda, vídeos lindos com casais velhos se beijando. Mas espera, espera. Não importa se o leite derramou, se a panela explodiu no fogão, os bombeiros chegaram e tudo é apenas ruína.

Seja feliz, querida! Seja feliz!

A vizinha também não escapa, amanhã, e insiste, amanhã tomaremos vinho na sua casa. E fim.

Será que isso me livrará no momento em que eu decidir por mim mesma quando será meu fim? Essa espanada na prateleira dos bibelôs que um dia talvez você precise irá defender-me da minha loucura mansa, mas certeira, um tiro no meio da testa?

Que gente é essa? Que nojo! As abelhas na árvore do meu quintal são inúmeras, centenas, milhares, os marimbondos aumentaram o tamanho de suas casas no alto do telhado e multiplicaram-se, aranhas gordas e coloridas tecem suas teias e matam-me de susto quando à noite caminho pelos jardins, mas são infinitamente melhores que essa gente que me assedia.

Porra! Se não me ama, me esquece.


Por Suzana Guimarães



P.S.: E não adianta deletar os chats. Eles retornam.

... para suas assombrações.