EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

20 de janeiro de 2021, doze anos morando nos Estados Unidos.

 

Teve gente que pensou que eu iria voltar com pouco tempo e me disse isso, mas eu nunca pensei em voltar para o Brasil, saí do país com ânimo definitivo. Já falei que não olhei para trás, mas olhei sim diversas vezes ao longo dos anos. Olho até hoje. Há coisas no Brasil eternas... se eu fechar os olhos um pouquinho só posso senti-las, revivê-las, mas eu sou uma pessoa tranquila, sem grandes anseios que quando decide está decidido, permito-me certos pragmatismos. A vida me mostra todos os dias que muito do que padecemos é culpa nossa porque colocamos muito sentimento em cima... talvez porque eu seja latina, talvez, não... o mundo se sustenta nas relatividades, isso é outra coisa certa. Tudo é relativo, mas viver no Brasil novamente é sonho, utopia, não acredito mais e a gente precisa acreditar para ter força para fazer, correr atrás, mudar.

Assisti à posse do novo presidente americano e quase chorei, eu que nunca choro. Não vejo o mundo um lugar de maus e bons porque somos um pouco de tudo, mas ontem o tempo ficou muito feio, nuvens estranhas me empurraram para dentro de casa, ventava muito e fazia frio. Senti medo do mundo inclusive passei mal no fim da tarde. Os céus pareciam raivosos e um sujeito pernóstico e sua família pernóstica estavam fazendo as malas... Hoje, o dia foi totalmente diferente, bonito e morno. Então, assisti à posse pela televisão e depois fui à rua onde morei quando cheguei aqui há doze anos. 

Ir àquele bairro é um deleite! Parar diante do prédio onde vivi por um ano é a melhor das nostalgias. Sinto-me vitoriosa. Que lugar lindo me recebeu! Lá tem silêncio de monastério. Tem maritacas nas palmeiras imperiais e corvos, tem loja de surfista, tem praia, crianças nas calçadas com seus patinetes, não há muros nas casas e nem grades. Parece que a vida é mais lenta. Não que aqui seja muito diferente, não é, é um bairro predominantemente residencial, e tem o silêncio de monastério, mas a magia está lá. Lá está eu. Eu que não falava nada em Inglês e que tinha um menino de oito anos e uma menina de um ano e cinco meses para cuidar, proteger, guiar, ensinar... tem eu que não sabia distinguir uma loja de uma casa residencial, que não encontrava coador de plástico e nem panela de pressão para comprar e se perdia nas freeways, coisa que me fazia gelar o estômago. Tem eu com mais de quarenta anos tentando recomeçar. Gosto dessa pessoa que fui, tenho orgulho, e essa pessoa acreditava. 

Quando fiz aniversário de cinco anos vivendo aqui, a minha mãe me disse, agora você pode voltar quando quiser, porque ninguém poderá lhe dizer que você fracassou... e rimos bastante disso!

Mas eu não voltei. Sou outra. Aquela que chegou na Grand Ave, no dia da posse do Obama, que olhou em volta e sentiu um fino frio passando pelas bainhas das roupas e entendeu que renascia ali, naquela calçada, enquanto as malas em rodinhas, oito grandes e quatro pequenas, eram empurradas através do cimento perfeito, em direção à entrada do prédio de dois andares, cinza e quieto, aquela pessoa não se adequa mais ao Brasil; e não acredita mais.

Se eu fechar os olhos, posso respirar o meu passado, mas é só isso. Tudo se perdeu, o lodo que eu dizia ter lá, tenho agora aqui. Tenho memórias engraçadas, algumas outras um pouco tristes, mas tenho história, construí um país para mim e nele me reconstruí. Tudo depende do tanto que colocamos de força e fé, e isso eu fiz bem. 

R me disse hoje que escrever no dia 20 de janeiro virou tradição e isso é uma verdade absoluta. Parabéns, novamente, para mim, para nós quatro!