EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

20 de janeiro de 2025, 16 anos morando nos EUA.


Há dezesseis anos, eu escrevo neste dia e hoje não será diferente embora eu tenha decidido que não ficarei mais aqui por muitos anos. Acho que foi ontem que envelheci. Quero passar minha velhice em um lugar bucólico, tranquilo, sem correrias.

Há dezesseis anos, passamos raivas com o distrito escolar e com o serviço de saúde americanos. Desse primeiro, em junho, ficaremos livres definitivamente. Minha filha se formará no High School. Meu Deus, quanta raiva nós passamos! Nem quando aqui chegamos e precisávamos do serviço do escolar, aquele famoso pequeno ônibus amarelo dos filmes, pudemos contar porque o serviço é exclusivo para as crianças com deficiências físicas ou mentais e comprovadamente pobres. A comunicação com o distrito escolar praticamente não existe, cabe aos pais o direito de concordar com a administração, mas as escolas nos enviam mais de dois emails por dia e também diariamente deixam mensagens de voz ao telefone. Meus dois filhos tiveram que estudar nas escolas que eles determinaram embora não fossem a do bairro onde morávamos, direito não respeitado, mas tiveram colegas que moravam do outro lado da cidade. Poucos anos atrás, a colega da minha filha fugiu de casa e a polícia só a encontrou dois dias depois. Ela foi transferida de escola por causa do escândalo, e para ela havia uma vaga, onde para a minha filha não havia, embora tivesse o direito. Foi então que escrevi uma carta especial para o distrito com cópia até para o gabinete do prefeito da cidade, ocasião essa em que a minha filha precisou estudar por motivos pessoais em uma escola próxima da nossa casa, onde o irmão dela havia concluído o High School. Batalha essa que eu venci.

Quanto ao Serviço de Saúde, só digo que a morte daquele CEO, eu não lamentei. Pagamos caro todo mês ao seguro de saúde, além de pagarmos por tudo a título de coparticipação, quando mais precisamos, tivemos apenas negativas, telefonemas atendidos após esperas muito longas e calhordices. Colocam os preços nas alturas, por exemplo, trinta comprimidos por $1.700,00 e como são bonzinhos deixarão por apenas $300,00. Para cobranças são ágeis e fazem ameaças. Passamos por cirurgias e em todas pagamos entre três mil a cinco mil dólares a título de coparticipação diante da absurda conta que nos enviaram, algo em torno de vinte a trinta mil dólares cada cirurgia. Certa ocasião, fiquei quase dois anos sem ir ao dentista. Então, não usei o serviço embora pagasse todo mês para tê-lo. Quando passou a pandemia, fui me consultar e descobri três problemas muito sérios nos meus dentes. O seguro recusou meu pedido e eu tive que pagar metade de forma particular porque o valor excedia ao que eu tinha direito. Então, aquela morte eu não lamentei pois graças a Deus na minha família ninguém morreu por conta desse serviço, mas não foi assim em todas as famílias.

Mr. Trump toma posse hoje e quem sou eu para reclamar se as estrelas democratas estão lá sorrindo e acenando para ele?

Foi difícil deixar o Brasil, embora eu não tenha derramado uma lágrima sequer, mas fácil será ir para qualquer lugar, basta foco e organização. 

Envelheci. Incrível essa constatação, parece que foi ontem à noite. Meu rosto já tem preenchimento facial, as benditas injeções de colágeno, mas a pele de todo o resto se desmonta, pescoço, braços, pernas, e eu até gosto porque significa que sobrevivi. O contrário disso, é morrer jovem e agora eu não posso.

Embora certas raivas, sou feliz aqui, segura, plena, realizada. Caminho pelas ruas sem medo, temos de forma distinta as quatro estações do ano. Outro dia, o colega do meu filho esqueceu a sua carteira de dinheiro na máquina da academia, uma hora e meia depois, ele voltou às pressas para buscá-la e lá estava ela, intocada, numa sala lotada de pessoas. Nada seria melhor no Brasil do que vivo aqui há dezesseis anos. Sim, existem os filhos da puta, mas esses estão em todos os lugares.

Meus filhos estão criados, buscarei outros sítios. Não irei agora, nem brevemente, apenas registro aqui minha decisão. O sucesso conquistado nesta existência me permite sonhar e planejar outros voos. Nada tenho a me queixar, muito menos me envergonhar, de verdade, eu mudei pra melhor a vida de nós quatro, isso significa sucesso.

Aprendi muito com os americanos e todos os outros aqui residentes. Sou outra para melhor, com certeza, mas eu quero mais e quero falar em português. Quero comer bananas que não sejam as nanicas, xingar em português, demorar nas refeições, falar pelos cotovelos, pedir uma xícara de açúcar para a vizinha, trocar receitas, amanhecer sem pressa e pagar menos para ter cobertura de saúde.