EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


domingo, 20 de dezembro de 2020

2020 termina


O ano agoniza, arrasta-se por nossas venturas e desventuras e eu me agitei igual a um liquidificador, mexi tanto, me movi tanto que também cheguei no fim dele fatigada. Falei isso para o meu médico, na consulta da terça-feira passada: "I have fatigue". Só faltei gritar, mas estava sem forças. E eu adoro barulho de liquidificador, de enceradeira e de batedeira de bolos... assim fui eu, assim foi o barulho que a filha fingida da minha vizinha, aquela que peguei pisando as babosas do meu jardim, ouviu como castigo - ato extensivo a ela sem que eu tenha tido a intenção - e ouvirá pelo resto da sua vida, e sentirá com lembrança eterna de mim o cheiro da minha comida sendo refogada, cheiro de pizza, de feijoada, de bolo assando, de bife frito... porque ela pensa que tudo nasce na plantação de enlatados... e cheiro eterniza-se. Só não teve enceradeira porque esse eletrodoméstico sumiu dos mercados faz tempo - eu usava para lustrar as mesas de madeira da minha casa.

Caminhei altiva por esse ano, e satisfeita - e sinto até um gostinho risonho em mim de vingança - mas, confesso, capenga, quase destruída de tristeza e apreensão. Hoje, uma famosa atriz da televisão brasileira faleceu após contrair o vírus maldito e ela tinha a idade da minha mãe. Isso dói.

Visitei San Francisco pela primeira vez e isso era um sonho. Engordei, emagreci, engordei novamente e me formei autodidata em jardinagem e risoto.

Tenho o triplo de plantas que eu tinha. Tenho receitas novas que anotei no meu livro especial que já deixo como herança para os meus filhos. Telefonei inúmeras vezes para a minha mãe e ela não ligou nem uma vez sequer para mim e eu me vi a mãe dela; filha que amo.

Joguei fora os nós do passado que eu tinha com R. Não morri do vírus, mas renasci outra. Sou mais plena que aquela que iniciou esse inesquecível ano dos muitos infernos e poucos céus.

Parece que eu aprendi um pouco mais também de Inglês e um pouco mais de amor.

Termino esse ano com a frase maravilhosa da Solange Maia: "O amor estava enfeitado demais."

Desconfie, cara, desconfie e corra de amor enfeitado demais.




Suzana

Dezembro, 20