EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


sábado, 29 de setembro de 2018

29 de setembro de 2018



Cinco anos depois...

Estou contando nos dedos para saber se é isso mesmo, se não seriam cinquenta anos ou cinco meses, mas são cinco anos, o tempo sem você por perto - apesar de eu sabê-lo em mim, seu gênio difícil ainda vive, contorna-me onde eu não imaginava possível. Graças a Deus, sou continuação sua, só hoje percebo isso, esse presente.

Cinco anos sem conseguir lhe escrever uma linha. Eu queria contar sobre nós que ficamos. Eu queria dar detalhes, falar as coisas boas e as ruins, mas nem sei se é preciso, lá em casa, eu senti você em vários momentos. Não sei se você está feliz ou triste, só sei que você sabe, nada mais foi como era.

O sistema de irrigação dos meus jardins queimou, então, eu os aguo, dia sim, dia não. É quando somos um só. O cheiro das plantas molhadas, da terra, o vento que bate, as folhas no chão - "um mar de folhas", lembra-se? - e eu mesma, em pé, às vezes, satisfeita, às vezes, não, olhando um não sei onde, pensando que coisas devem ser feitas... 

Tenho saudade de chamar alguém de pai, mas só pode ser você. Tenho saudade do seu jeito diferente de ser. Tenho saudade de nossos últimos dias juntos. De todas as lembranças, essa é a pior delas. Gostei de cuidar de você, sozinha, longe de todos.

Não consigo ainda lhe escrever. Trava-me. Alguma coisa abre no peito e se alonga em um vácuo, um saco de papel onde haveria pães, mas, hoje, apenas o nada.

No Prado, fingi poder vê-lo nas esquinas. Lembrei-me das pessoas que você gostava e que também andavam pelo bairro.

Não o vejo nos meus irmãos. Vejo-o à volta da minha mãe. Vejo-o no sofá de quarto que não existe mais. E em mim, que já nem mais sei.


Suzana