EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


quarta-feira, 19 de março de 2025

domingo, 9 de março de 2025

Vitória Regina.

Quando eu soube de você, Vitória Regina, você já estava morta, embora ainda desaparecida. Assim como os outros, eu não pude ajudá-la. Sou uma velha, Vitória, e você tinha a idade da minha filha. Eu trocaria minha velhice, meu cansaço e desgosto por sua vida. Mas eu não fiz nada, ninguém fez. Você só queria trabalhar, comprar suas coisas, ter suas coisas. Da padaria, você conseguiu um emprego como operadora de caixa em um restaurante de Shopping. Você não poderia ter voltado para casa sozinha naquela noite, dois ônibus e um caminho íngreme num terreno acidentado por cerca de quinze minutos na escuridão total, mas o destino foi cruel, quebrou o carro do seu pai que a buscava sempre e lhe entregou feito um cordeiro para não sei quantos homens cruéis, misóginos, psicopatas, monstros. Desculpa, Vitória, ninguém lhe ajudou. Descansa deste mundo odioso. Ficaremos nós aqui, imprestáveis. E eu mais caquética e triste. 

domingo, 23 de fevereiro de 2025

"Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade". Aristóteles 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Sobre gente arrogante e imigrantes.

Certa ocasião, um cachorro sem coleira atacou nossa cachorra ainda bebê. Meu marido foi a casa do dono do cachorro, nosso vizinho de bairro, cobrar a conta da clínica veterinária. Pedi a minha filha para ir junto porque meu marido poderia perder a paciência - eu não fui porque era certo que eu ia perder a paciência. O vizinho disse que não pagaria e isso depois nós resolvemos quando contactamos a polícia; claro, ele pagou. Esse sujeito branco e arrogante perguntou ao meu marido se ele era documentado. Ah, essa parte do show, eu perdi! Meu marido respondeu, "eu sou, e você?". O arrogante respondeu com uma ordem, "me mostra a sua identificação". Meu marido, "mostro depois que você me mostrar a sua". A minha filha então disse em Português, "este cara é um babaca, vamos embora, dad". 

Eu não sairia do meu país se eu não pudesse, salvo se meu país estivesse em guerra. Em guerra, ninguém iria me deter. Saí com meus filhos ainda crianças porque meu marido nasceu nos EUA. 

Entendo quem sai, mesmo fora de uma situação de guerra e fica indocumentado. Não entendo é imigrante que se acha melhor que outro imigrante só porque está legalizado no novo país. Uma vez imigrante, sempre imigrante. E eu acredito que o vizinho arrogante descende de imigrantes pois ele não tem cara de índio. 

Eu não suportaria viver o medo constante. Eu não suportaria atitudes grosseiras para comigo. Meu marido é branco e tem olhos azuis, a minha filha é mais branca ainda. Meu marido tem um pouco de sotaque porque se mudou ainda criança para o Brasil com a família. Ele nasceu nos EUA na época em que o pai dele foi convidado a dar aulas em uma universidade em Albuquerque, Novo México, estado americano. Eu sou branca brasileira e a minha cara não revela de onde sou - ninguém acerta. O vizinho arrogante encrespou porque não queria pagar a conta, mas também porque percebeu o sotaque do meu marido e tentou intimidar. 

A gente vive na Califórnia, um dos estados santuários, isso é, estado que recebe bem imigrantes, mas temos arrogantes vivendo na casa ao lado, passando por nós todos os dias, é claro, gente que não presta para morar em lugar nenhum deste mundo. São eles que estão no lugar errado pois este mundo é de todos nós que cabemos nele. O arrogante não cabe em lugar nenhum. 


                       📷 scg





sábado, 25 de janeiro de 2025

Ainda estou aqui.


Até parece que eu não conhecia a história do Rubens Paiva, preso, torturado e morto em um quartel militar brasileiro. Até parece que não conheço as duas Fernandas, mãe e filha, e sempre fui fã delas. Até parece que posso me teletransportar para o passado e estar naquela casa, naquele Rio de Janeiro vivenciando com eles tudo aquilo. Pois foi assim, vários golpes certeiros na minha cara, no meu peito, tensa, numa sala pequena de cinema no centro de Los Angeles, eu deixei de ser eu, virei um vegetal esticado e seco naquela poltrona, doida para chorar, doida para ter novamente um manancial de lágrimas. Que filme, meu Deus! Graças ao Marcelo Rubens Paiva que deixou no papel o registro de tudo o que aconteceu e ao Walter Salles, um herdeiro bilionário, que nem precisa disso. Meu Deus! Como se não bastasse toda a perfeição do filme, no final vem a Fernanda Montenegro que, sem dar um pio, me joga longe, sacode todas as minhas células, me cala, me dá um nó na garganta. Até parece que eles ainda estão aqui, eternizaram-se. 

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Descobri no último ano ou nos últimos poucos anos que cada amigo vem com algo para nós, mas nenhum vem com tudo, isso não existe. A gente tem que saber aproveitar o que cada um tem para nos dar. Aquilo que não é dado, a gente desfoca. Cada um tem a sua importância, cada um dá o que tem para dar. E a recíproca será verdadeira.