EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


sexta-feira, 10 de abril de 2020


Pedi a Deus que não chovesse hoje e não choveu, apesar da meteorologia ter anunciado chuvas para todo o dia, desde ontem até hoje às 7 da manhã. Se chovesse, eu ia sentar à porta de casa e chorar. Nunca chove na primavera em Long Beach, e o que estamos tendo desde março são chuvas, irritantes chuvas, aquela murrinha caindo o dia todo, sem barulho nenhum, mas alagando pátios e  minhas ideias. Às vezes, a gente surta, então eu reclamei ontem o dia todo, como para um Deus não seria fácil mudar o tempo? Fazer sol, chuva, fácil, um bater de cílios... 

porque está tudo triste, não vejo mais ninguém sorrindo. Há um silêncio preso nas pessoas, nas praças, no ponto do ônibus, nas pistas de carros... nunca foi tão fácil trafegar na cidade. Acostumada a ouvir o silêncio, não o ouço mais, apenas um abafamento no ar, nas casas trancadas... por aqui, não tem ninguém cantando nas sacadas. Nos supermercados está todo mundo tenso, aflito, e os mais conhecidos me olham tristemente. 

Para onde foi todo mundo? A América parou. A Europa parou. O mundo parou e tem uns idiotas no Brasil, sob comando de um idiota maior, se aglomerando, se tocando, cuspindo salivas na contramão do mundo... um país peneira furada dizendo que pode carregar água límpida. 

Pelo menos, hoje, não choveu. Alguma graça a gente tem que ter na vida e eu gosto de Deus principalmente quando Ele me dá coisas bobinhas, fáceis. Aquela água escorrendo noite e dia desde domingo parecia um sorvete na casquinha, ao sol. E eu vendo a vida escorrer e já me bastam esses todos olhares tristes, essa falta de riso, esse andar contido, essas pessoas limpando, limpando.