EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


quarta-feira, 29 de abril de 2020


11:00 da noite. O sono me alcança, mas eu quero escrever sobre certas coisas que leio e também sobre outras que vivencio. 

Percebo que invento coisas para fazer porque não quero ficar imaginando, como fico, o vírus entrando no meu corpo e se alojando em meus pulmões. Há doze anos, eu tive Trombo Embolia Pulmonar, e a lembrança da dificuldade para respirar e da dor é  eterna.  Eu não podia encostar em nada porque sentia agulhadas quentes, pontudas e que aumentavam de intensidade se eu insistisse. A dor era de duas formas: intensa nas costas e lenta do peito para cima, como algo que se vai perdendo, sumindo, suavemente.

Em Manaus, os familiares dos mortos estão abrindo os caixões lacrados, empilhados, para saberem se são realmente os seus parentes.

Um político americano pediu às pessoas, "Não bebam detergentes, por favor!"

Pensei que eu era a única pessoa no mundo que não respirava bem e não enxergava usando máscaras. Ledo engano. O mundo inteiro reclama.

Às vezes, tenho vontade de não trocar de roupa, não escovar os dentes, não tomar banho... pra quê, né? Mas arredo essa vontade e como se estivesse tudo bem, cumpro meus rituais e cobro dos meus filhos. Puxei o meu pai, funciono maravilhosamente bem nas situações piores, fico calma e ágil, cumpro minhas obrigações, não fico pensando muito... porque a gente deixa para estrebuchar depois. Terei tempo para surtar em um destes dias pra frente, não agora.