EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?

Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020


quarta-feira, 24 de abril de 2024

“— Dói-te alguma coisa?
— Dói-me a vida, doutor.
— E o que fazes quando te assaltam essas dores?
— O que melhor sei fazer, excelência.
— E o que é?
— É sonhar."

_____Mia Couto

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Anos atrás, a secretária da escola do meu filho, me disse: você se comunica melhor que seu marido que fala Inglês fluente. Tenho realmente o dom da escrita e da fala e isso eu fui passando para meus filhos de forma natural, raríssimas vezes expliquei a jogada, o tom, o modo. LR diz, você fala até Chinês se preciso for. S, uma colega da faculdade na década de 1980, dizia: faz pedra falar...
Hoje, a minha filha e eu viajamos para outra cidade porque ela tinha um teste para fazer, mas alguém errou a data, eles ou nós, e não era o dia. Embora eu nada soubesse porque estive fora do país por longo tempo, decidi insistir, liguei para meu marido, ele confirmou que o dia era hoje, virei para AL e disse: vamos voltar e discutir essa questão - já estávamos no elevador. Ela me seguiu enquanto eu voltava ao escritório, dizendo: se você não quiser falar, eu falo. Ela é tímida e não gosta de parecer chata, eu a entendo, aos dezesseis anos ninguém é muito diferente disso. Para minha surpresa, ela começou a falar, usava as devidas pontuações, pausava na hora certa, era calma, porém precisa e chegou a questionar se haviam mudado a data no computador... Se ela me desenhasse naquele momento eu seria uma ninfa pisando areias macias em praias filipinas, um monge budista desmontando uma barraca de acampar, um atirador de facas guardando-as... meu lado esquerdo contemplava a paz do meu lado direito, minha respiração pausava entre o inspirar e o expirar... não precisei falar um A, estava tudo bem e perfeito, na verdade, entro nas questões porque não suporto o desenrolar imperfeito das coisas... dei um sorriso sem dentes para a secretária, falei bye bem mansinho e deixamos o escritório. A data continuou a mesma, não seria hoje realmente, mas nós já não éramos mais as mesmas. 

sábado, 13 de abril de 2024

Brasil em 55 dias

No Brasil, eu não sei o que mais me incomodou, o calor abafado insuportável, a rotina de consultas, burocracia e hospitais, as omissões e os atos de quem eu preferia não ter conhecido nunca nesta vida, o receio de assaltos ou a epidemia da dengue -  o medo diário de ser picada pela mosquita que tem horário e altura para picar. Penso que foi ela, a mosquita da dengue. Ouvi histórias tristes de pessoas que urinaram sangue e faleceram em 24h. Eu sentia inúmeras picadas, embora usasse repelentes no corpo e nas tomadas do apartamento da minha mãe. Ouvi dizer que a mosquita não deixa a sensação de ter picado. 
Ouvi tanto e sobre tantas coisas que agora confundo quem falou, e o que falou. Ouvi mais que falei nesses 55 dias pois eu percebi que os brasileiros estão querendo falar,  inclusive os motoristas de taxi. Daí, eu volto para casa e de repente (na verdade, a volta foi custosa), ainda é frio, a minha cidade vive calmamente sua rotina, meu bairro ainda é um monastério, há mosquitos, mas não há epidemia, há principalmente paz. E tem eu esperando por mim mesma, esperando-me chegar. Foram 55 dias de muita valentia, agora serão muitos outros de bem-aventurança. Basta esperar o vento chegar que já ouço aproximando-se.