Barulhento e memorável quatro de julho de 2020 porque para esse ano tudo fora da medida parece ser o ponto ideal.
A adolescente estira-se na frente de sua casa para tomar sol, tem música, tem toalha estendida e um maiô vermelho. Eu penso no Brasil e na impossibilidade disso. São quase sete da noite.
Os foguetes - e eles são proibidos em Long Beach - pipocam desde às sete horas da noite e já são dez e meia. Eu também me estiro, deito nas cadeiras do jardim, front yard, e, como se estivesse no meu quarto, me enrolo em manta e almofadas enquanto os meninos do bairro, os cães, os gatos, os homens, as bicicletas, a Lua - verdadeiro holofote - e estes grilos enlouquecidos não cessam um segundo de gritar... passam, tudo passa.
Olho para o céu ainda claro, já são quase onze horas, penso que tudo hoje é barulho, o mundo está gritando, eu ouço, não sei se mais alguém, R diz que sim, está gritando, e eu como Nutella às colheradas. A vontade é comer o pote todo, mas me contenho, me contenho, me contenho... essa noite está absurdamente estranha.
Tem um incêndio perto da casa do Ian, o pai ligou para os bombeiros, e esses o deixaram no esquecimento. O menino machucou os olhos em algum lugar e é preciso ir para o hospital, mas só a ideia já esmorece os ânimos...
Cinquenta corvos vieram do sul e passaram raspando sobre o telhado da minha casa, sem os gritos de sempre, e, por isso, ouvi o tatalar de suas penas, juro, ouvi, a coisa mais linda que já pude ouvir nos últimos cinquenta anos; eu nem quis fotografar porque o inusitado gravou-se nas minhas retinas e nos meus ouvidos.
Vagarosamente o absurdo da noite me acalma.