EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?
Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020
domingo, 13 de fevereiro de 2022
Eu não estou feliz, isso é certo, bem que tento, preencho meus dias com muitas atividades, organizo agenda para daqui a seis meses, arrumei toda a roupa de mesa da cômoda vermelha - a última vez foi na última mudança há quase quatro anos. Tudo acaba rápido. Quando começo, parece que será por uma eternidade, mas acaba rápido. Podei todas as minhas plantas e não há sequer uma folhinha amarela para ser arrancada porque se houver, amanhã, podarei novamente e isso não cansa, lavar tapete não cansa, lavar a louça suja da noite e as pilhas de panelas que eram deixadas para o dia seguinte também não cansa. Meu fogão nunca esteve tão limpo! Esvaziei todas as minhas bolsas de uso constante cheias de papéis. Limpo miudezas, organizei a gaveta do criado-mudo que nunca se organizava, procriava de uma semana para a outra com cremes, canetas, papeizinhos... parece que espero algo ou alguém, alguma coisa, e parece que estou tentando correr para chegar a algum lugar, mas não sei do que se trata ou se é isso mesmo. "Full time" é uma frase bonita, cheia, amanhã terei mais ideias e inventarei mais coisas para fazer, e isso me faz sentir melhor. Vou pesquisar a origem da palavra inglesa "full", pesquisar o número de carboidratos da cerveja Saporo, saber como é que faz casquinha de siri. Não me sinto feliz. Queria adormecer profundamente, queria saber por que ainda estou aqui, hoje pensei que é porque não acabou a minha missão. Ligo para a minha mãe, envio mensagens sobre meus planos, vigio-a através das câmeras que mandei instalar em sua casa; sinto-me igual a minha cachorra rondando o quintal da casa como se ainda fosse necessário fazer a guarda, e já é noite, não precisa mais, a hora é de nos recolhermos, ela e eu, nós, mas parece que há mais alguma coisa a se fazer, só não sei qual.