EU DISSE QUE GOSTAVA DE DIÁRIOS?
Fotografia, Suzana Guimarães
Data: Junho de 2020
terça-feira, 2 de novembro de 2021
Hoje é dia dos mortos e eu que nunca dei valor a esse dia vasculhei algum motivo para passar a dar a ele significância, mas não há. Penso na minha irmã que não verei mais. Ah, eu sei, tem gente pensando que estávamos brigadas e que eu deveria ter sido melhor, ela deveria também ter sido melhor, que nós não soubemos aproveitar a vida que havia e blá-blá-blá. A gente ficou um longo tempo brigadas, mas havia 10.000 km nos separando e quando nos encontramos, a gente voltou a conversar, sim, dei presentes para ela, ela disse que tinha comprado salgadinhos e a torta de pão de forma que tanto gosto, a gente combinou de resolver juntas certas burocracias, a viajar atrás de documentos e que iríamos comer a torta st. Honoré. O que nos faltou foi apenas distância geográfica mais curta porque brigar, a gente brigava mesmo, mas éramos de verdade e podíamos confiar uma na outra. Não a incluo nesse dia dos mortos. Pelas manhãs, a minha irmã abria a janela da sala e dizia bom-dia sol, bom-dia dia! Ela amava café da manhã, amava o nascer do sol, vestia roupas coloridas, estava sempre cheirosa, era disponível e presente nas vidas dos mais próximos; tinha gênio terrível, mas quem é de todo maravilhoso? Ninguém, exceto os falsos. Nunca gostei de dia dos mortos, nunca gostei de dias especiais. Sou a vida de hoje e de ontem, sem etiquetas, sem códigos e rótulos. Sou vida, e até a morte está dentro disso, da vida.