Nesta tarde, é o que me resta o peso do nada pois é medida que me sustenta. Sou uma mulher sentada no banco de cimento do quintal da minha casa, após algumas horas de chuva, tentando me distrair com o sol que se anuncia. Ao meu lado, a minha cachorra. É o que me resta, a companhia dessa nova amiga que deveria se chamar Amarela. É uma labrador de dezenove meses, olhos amarelos, cílios também amarelos, quase brancos. Seu nome é Merci.
A construção desse quintal é feia, mas a natureza à volta é bonita, e nós duas aqui sentadas, eu nada falo, ela não choraminga, não late e nem me chama para brincar, vigia o nada onde sobrevoam corvos barulhentos como sempre e uns dez a quinze colibris que vejo em direção à laranjeira da casa do vizinho. Chego a duvidar, mas eles que chegam em bando saem um a um da árvore. Faltam-me meus óculos, mas posso contá-los. Faltam-me meu celular, um livro, uma taça de vinho, não, não me falta nada, estou completa.
Depois de tudo, me resta essa inutilidade sadia, esse companheirismo, depois de eu insistir em tentar agarrar a vida com sofreguidão. Merci se senta ora à direita, ora à esquerda de mim, à frente ou dá ligeiros rodeios e volta, sentando-se pesadamente por sobre um dos meus pés. Somos silêncio. Não há nada realmente para ser falado. Às vezes, ela se senta no banco de cimento também, e então fica da minha altura, nossas cabeças de encostam e eu a olho e penso como pode ser assim tão elegante! Falo "nose" e ela encosta rapidamente o focinho no meu nariz.
Ela olha para fora, eu olho para dentro. Ela vigia o espaço aéreo, não aceita pousos em nossos muros ou em nossas plantas; vigia também o espaço terrestre, corre atrás de lagartixas e esquilos. É uma fera, nem pisca. Eu olho a minha vida esquadrinhada numa visão efêmera, mas dolorida. Mas isso passa, tanto para ela quanto para mim. Na realidade, somos apenas esse quarto de hora ou dois, e isso é tudo.
Nessa tarde, é tudo o que me resta.